Débora Gonçalves
Foi em pleno outono de 1987 que nasci. Era uma criança com uma imaginação incrível e na minha cabeça havia mundos inteiros. Eu adorava passar muito tempo nesses mundos diferentes e lembro-me de sentir como se de facto estivesse a viver em cada uma das minhas histórias. Brinquei muito livremente até aos meus cinco anos, pois ficava na casa da minha avó quando os meus pais iam trabalhar. Ainda nesta altura, tenho memória de sentir as pessoas à minha volta, não se as pessoas eram boas ou más, mas o que elas estavam a sentir no momento e isso, intrigava-me.
Na escola, comecei por não ser muito boa aluna. Penso até que teria dislexia porém, felizmente para mim, nunca fui diagnosticada, e tive oportunidade de me adaptar e criar estratégias que utilizo até hoje, para escrever e localizar determinados sítios, por exemplo.
Daquilo que me lembro, a escola era um sítio desagradável, em que eu me sentia completamente desajustada e triste. Não que os adultos ou colegas fossem propriamente desagradáveis ou a metodologia muito rígida, na verdade era só uma sensação de inadequação constante, de perda de tempo, de não saber o que estava lá a fazer. Com o tempo, foram aparecendo alguns amigos, mas ainda assim, devido à minha facilidade em “desligar da realidade”, distraía-me muitas vezes tanto nas aulas, como nos assuntos. Raramente estava dentro de qualquer assunto da atualidade e dentro da sala também me sentia muitas vezes perdida.
Quando tinha cerca de 12/13 anos, era eu uma aluna com notas assim assim a pender para baixo, comecei a perceber algumas coisas interessantes à minha volta, que me ajudaram a ter uma adolescência até bem leve. Certo dia, no balneário da escola reparei que quase todas as meninas tomavam banho de fato de banho menos uma que tomava despida e estava ok com isso. Isso levou-me a perceber como as pessoas eram todas muito parecidas na sua essência e que aquilo que eu sentia, as inseguranças próprias da idade, os outros também sentiam, assim, era tudo simplesmente NORMAL. A frase que me surgiu naquele momento foi “somos todos iguais!”. Um pouco mais tarde, também comecei a pensar que se as pessoas não eram assim, tão diferentes, eu também poderia aprender e ter boas notas, então tentei perceber como é que eu aprendia, como é que se aprende na generalidade. A partir daí, fui-me aperfeiçoando e me tornando numa aluna cada vez melhor, aprendendo mais rapidamente e praticando um estudo muito mais eficaz obtendo excelentes resultados. A partir do oitavo ano, nunca mais se ouviu dizer que eu tivesse qualquer dificuldade de aprendizagem. Na verdade, em pouco tempo, passei de uma das piores para uma das melhores alunas da turma. Isto deu origem à Teoria das Gramáticas Mentais. A Linguagem de mente.
Quando cheguei ao final do secundário, senti-me ainda mais perdida. Não sabia o que queria ser… Tinha tantos sonhos que afinal eram só mesmo isso sonhos. Como nunca tinha experimentado mais nada além da escola, apenas um ou outro trabalho de verão, simplesmente, não sabia o que fazer. Optei pelo mais sensato, mais perto de casa. Fui para o Curso de Enfermagem durante dois anos e afastei-me dos amigos que tinha. Encontrei outros, também fantásticos claro, porém como qualquer adaptação, custou um bocadinho.
Algo que é excelente neste curso e que deveria ter noutros cursos, são estágios desde o primeiro ano, estágios de verdade durante um mês no mínimo. Aqui percebi que, bem, enfermagem não era mesmo para mim. Eu sentia o sofrimento das pessoas e isso era algo que eu não conseguia lidar, não conseguia fazer como aquelas pessoas fantásticas que trazem alegria a um quarto triste com alguém doente, além de que havia outro problema que não encaixava de todo com a minha personalidade, a rotina. No segundo ano, numa das manhãs em que cheguei aos corredores para cuidar dos doentes e estava tudo escuro, alguns idosos dormiam em camas nos corredores e eu simplesmente pensei, “passar a vida a fazer isto e depois envelhecer e vir parar aqui na mesma, nem pensar” e pronto… No ano seguinte estava no 1.º ano do Curso de Educação Básica.
Concluí a licenciatura e o mestrado e tudo bem. Lidar com crianças na sua maioria saudáveis pareceu-me bem mais divertido, há, naturalmente, uma melhor disposição no ar, no entanto, aqui mantinha-se o problema da rotina, que realmente me incomoda, e surgiu outro, a educação estava desatualizada e a caminhar para pior na minha opinião. Se é algo que eu não acredito, não consigo manter o foco. Certo dia, ainda no estágio, estava numa sala a preencher uns documentos e quando levantei a cabeça deparei-me com uma cena interessante. Uma educadora levava as crianças em fila para o refeitório, algumas crianças empurravam-se umas às outras sem consciência do que as rodeava, outras simplesmente seguiam com a manada e pareciam adormecidas de pé, a educadora gritava, a auxiliar gritava e tudo era o normal…
Decidi que não ficaria no sistema e comecei a fazer outra coisa de que gosto muito, cozinhar. Fazia comida em casa e as pessoas iam buscar ou almoçar lá todos os dias. Era a alimentação macrobiótica. Comecei nesta altura a estudar sobre alimentação e desde essa altura aprendi muito sobre vários tipos de alimentação, entre elas, macrobiótica, crudivorismo, alimentação vegan, vegetariana, paleo, protocolo autoimune, gaps…
Sempre tive uma certa afinidade com a compreensão de como outras pessoas aprendem, então, algum tempo mais tarde, comecei também a dar explicações. Assim, controlava eu o ambiente e poderia fazer as coisas à minha maneira. Aprendi bastante sobre como as crianças aprendem, mas sobretudo, reparei como crescem sozinhos, educados por si mesmos, como precisam de conversar, como estão cada vez mais cansadas mesmo sem fazer quase nada, como estão simplesmente sobrevivendo dia após dia sem que haja muitas decisões ou responsabilidade pela própria felicidade. Na ânsia de dar o melhor aos seus filhos, de dar-lhes muito tempo para que estudem e possam ser bons alunos, os pais, também cansados e a dar o seu máximo, obtêm, muitas vezes, a resposta contrária.
Ainda nesta altura comecei a trabalhar com yoga e meditação com as crianças e também com adultos.
Ao longo da minha vida, da minha evolução, apercebi-me de que gosto muito de cérebros. Não, não estou a falar de uma exótica iguaria culinária, gosto de compreender o seu funcionamento. Desde muito cedo, que tenho a necessidade de agrupar, na minha cabeça, pessoas que teriam atitudes parecidas numa situação semelhante.
Penso que é apenas a minha forma de conhecer o mundo e de saber como lidar com cada pessoa ainda antes de a conhecer bem. Para mim, é um prazer compreender como as pessoas pensam e porque fazem o que fazem, efetuando, com alguma regularidade, uma repetição de padrões mesmo quando os resultados não lhes são minimamente favoráveis.
Não é por acaso que estes padrões se repetem. Isso deve-se à nossa programação mental, a qual pode ser influenciada por inúmeros factores, entre eles, as pessoas com quem convivemos, o meio que nos envolve e até o que comemos. A boa notícia é que se foi possível programar tão facilmente o teu cérebro de forma inconsciente ao longo dos anos, também é possível e relativamente simples reprogramá-lo de forma consciente de modo que ele funcione a teu favor e não contra ti.
Uma casa necessita de pilares bem construídos para se manter segura e forte. Os meus pilares são quatro e têm o sorriso mais fortalecedor do mundo inteiro!